O vindouro decreto nacional do Sicx (Sistema de Compras Expressas) é inconstitucional?
- Mello Pimentel Advocacia
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A Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC) estabelece que é inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento (art. 74, IV da Lei nº 14.133/2021).
Ainda segundo o novo marco legal das contratações públicas, o credenciamento é um procedimento auxiliar das licitações e contratos (art. 78, I) que é conceituado como um “processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados” (art. 6º, XLIII).
Pois bem, a Lei nº 15.266/2025 alterou a Lei nº 14.133/2021 para incluir como hipótese de contratação passível de uso de credenciamento o “comércio eletrônico: caso em que a Administração visa a contratar bens e serviços comuns padronizados ofertados no Sistema de Compras Expressas (Sicx)” (art. 79, IV).
Nos termos do novo § 1º, VII do art. 79 da NLGLC, um decreto do Poder Executivo federal regulamentará o Sicx (Sistema de Compras Expressas) dispondo sobre: as condições de admissão e de permanência dos fornecedores; as regras para inclusão de bens e serviços e para formação e alteração dos preços; os prazos e os métodos para entrega e recebimento dos bens e serviços; as regras de instrução e uso da plataforma; as condições de pagamento, com prazo não superior a 30 (trinta) dias, contado do recebimento do bem ou serviço e as sanções aplicáveis ao responsável.
Como se vê, a Lei nº 14.133/2021 traz a moldura do Sicx, mas características fundamentais para a operacionalização desse Sistema de Compras Expressas serão obrigatoriamente definidas num decreto a ser editado pela União e que, a rigor é um decreto federal.
Perceba-se que aqui temos uma ruptura do padrão adotado pela Nova Lei Geral de Licitações e Contratos e que pode ser extraído de disposições que admitem a adoção: do catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras do Poder Executivo federal por todos os entes federativos (art. 19, II) e dos modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos do Poder Executivo federal por todos os entes federativos (art. 19, IV) e também a aplicação dos regulamentos editados pela União por parte dos Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 187).
Assim, o futuro decreto regulamentador do Sicx, em que pese ser um decreto federal em sua gênese, ele será na prática, um decreto de alcance nacional, ao menos nos termos previstos na nova redação da NLGLC trazida pela Lei nº 15.266/2025.
Mas, é possível que um decreto da União sobre licitações e contratos tenha aplicação obrigatória e não voluntária por parte dos Estados, DF e Municípios?
Veja, ao comentar o art. 184 da Lei nº 14.133/2021 que determina que “aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal”, Rafael Sérgio Lima de Oliveira é muito claro ao afirmar que “não é dado ao Poder Executivo federal regulamentar os tais ajustes congêneres no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Cada ente federado tem a garantia constitucional de fazer o seu próprio regulamentoi”.
A lição de Rafael Sérgio Lima de Oliveira, específica para a seara das licitações e contratos, é aderente ao que lecionava Geraldo Ataliba em aspectos mais gerais sobre a constitucionalidade dos decretos regulamentadores: “será inconstitucional o regulamento que pretenda inserir-se entre a lei e a autoridade ou agente estadual e municipal, ainda que se trate de lei do Congresso. Porque, das duas uma: ou será lei simplesmente federal – que pode ser objeto de regulamentação – que não é obrigatória para Estados e Municípios, ou se trata de lei nacional. Neste último caso, uma regulamentação só pode ser precedida por ato normativo – lei ou decreto – estadual ou municipal, sem tolerar interferência do Presidente da República ou de quem quer que seja. Isto, por faltar ao regulamento o pressuposto de se tratar de lei que cabe ao Presidente executar. É que o Presidente só tem competência na esfera das leis da União e, nesta, no âmbito Executivo, em matérias executivas e administrativas, na forma da leiii.”
Em outra oportunidade, ao comentar sobre a regulamentação da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos afirmei o seguinte: “considerando o que dispõem o artigo 22, XXVII e artigo 30, II da CF/88 aliado ao entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da competência normativa suplementar dos Estados e Municípios no tocante à disciplina sobre licitações e contratos administrativos (MC na ADI nº 927/RS e ADI nº 3.059/RS), não seria impossível imaginar por baixo mais de 5.000 normas infralegais se cada município brasileiro regulamentar a NLGLC (e isso considerando que cada faça uma regulamentação geral e não de trechos pontuais da Lei nº 14.133/2021)iii”.
Ou seja, é sim questionável que a regulamentação do Sicx se dê de forma exclusiva por parte da União e que ela seja de observância obrigatória por parte dos Estados, DF e Municípios.
Todavia, incidindo o Sicx bens e serviços comuns padronizados, é fácil especular que haverá um potencial choque com o pregão - que, nos termos da NLGLC é a “modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto” (art. 6º, XLI) – no qual, a depender a receptividade do Sistema de Compras Expressas junto à Administração Pública, aos órgãos de controle e ao mercado, quaisquer discussões sobre a constitucionalidade sobre o vindouro decreto nacional do Sicx serão eclipsadas pelo instituto, vez que é pouco provável que numa eventual colisão, opte-se por licitar quando também é lícito contratar diretamente.
Mas, sem prejuízo da constatação acima, a futura regulamentação Sicx não pode deixar de ser objeto de preocupação e de debates, pois, “se o dever geral (nos termos da Constituição) é licitar, quaisquer exceções à tal exigência devem ser interpretadas de forma restritivaiv”, é preciso ter atenção para a redação do aguardado decreto do Sistema de Compras Expressas, haja vista a possibilidade de ela fomentar o quadro destacado no parágrafo anterior.
Elaborado por: Aldem Johnston