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15 | Jun

TCU reafirma que, a variação cambial, por si só, não é motivo suficiente para promover a revisão de preços em contrato administrativo

Órgão de controle traça parâmetros que, na prática, servem de alerta para gestores e particulares contratados.

TCU reafirma que, a variação cambial, por si só, não é motivo suficiente para promover a revisão de preços em contrato administrativo

No âmbito das contratações públicas, no momento da proposta apresentada pelo licitante ou por quem foi contratado em dispensa ou inexigibilidade de licitação, forma-se, em razão do disposto no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988, o chamado equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato.

Havendo um desequilíbrio nesta equação, o seu reequilíbrio se dá por meio de alguns instrumentos: o reajuste de preços, a correção monetária e a revisão de preços.

Nos termos do art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993 e do art. 81, VI da Lei 13.303/2016, a revisão de preços é utilizada “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual” ao passo que na Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021), o art. 124, II, alínea d houve uma mudança redacional para que a revisão de preços respeite a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

Na prática das contratações públicas, uma das situações que mais ensejam dúvidas na Administração e nos administrados é a da caracterização dos fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis quando eles estão relacionados à variação cambial.

Se, por exemplo, numa obra pública, o contratado alega que determinado insumo utilizado sofreu um aumento em razão da valorização do dólar ante ao real, tal variação cambial teria o condão de ensejar o reequilíbrio da equação econômico-financeiro do contrato?

Pois bem, no ano de 2010, o Plenário do TCU, proferiu o Acórdão nº 2837 no sentido de que, “a mera variação cambial, em regime de câmbio flutuante, constitui risco do negócio e não configura causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos. A variação diária dos índices não autoriza pleitos de recomposição de preços, dada a sua ampla previsibilidade”.

10 (dez) anos depois, já em sede de controle interno, registre que a AGU por meio de sua Orientação Normativa nº 08, opinou no praticamente no mesmo sentido ao afirmar que o “deferimento do reequilíbrio por motivos de variação cambial é medida excepcional que deve restar devidamente demonstrada nos autos, em conjunto com outros elementos caracterizadores do rompimento da equação econômico-financeira”.

Agora, no mais recente boletim de jurisprudência do TCU, o de nº 403, de 13/06/2022, consta mais um entendimento do Plenário daquela Corte de Contas, no qual deixou consignado no Acórdão nº 1148/2022 que, a “variação cambial, em regime de câmbio flutuante, não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, embasar a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato com fulcro no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993. Para que a variação do câmbio possa justificar o pagamento de valores à contratada a título de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, faz-se necessário que ela seja imprevisível ou de consequências incalculáveis".

No caso concreto, o TCU apreciou um contrato celebrado entre uma Secretaria Municipal de Saúde e uma empresa cujo objeto era o fornecimento de medicamentos para a utilização no atendimento dos pacientes das unidades de saúde da edilidade.

Após a assinatura do contrato acima mencionado, a Secretaria Municipal de Saúde aceitou reajustar os preços unitários dos medicamentos contratados, em percentual médio de 60%, tendo sido alegado junto ao TCU que em meados de 2015 ocorreram aumentos sistemáticos de preços dos medicamentos, em função da variação cambial, a escassez e a falta de matéria prima.

O TCU apurou que no período entre a assinatura do contrato e o primeiro pedido de reajuste, a variação cambial do dólar foi de aproximadamente 14% (quatorze por cento), no período compreendido entre a assinatura do contrato e a reiteração do pedido, de aproximadamente 36% (trinta e seis por cento) e na data da assinatura do Termo Aditivo a variação cambial era de 22,5% (vinte e dois e meio por cento).

Para a Corte de Contas, “tal variação nada tem de imprevisível ou mesmo previsível de consequências incalculáveis”.

Neste cenário, onde os entendimentos de órgãos de controle proferidos em análises de casos concretos são recebidos pelos gestores (muito por influência dos próprios órgãos de controle, diga-se) como paradigmas gerais de atuação, o entendimento do plenário do TCU no Acórdão nº 1148/2022 precisa ser objeto de apreciação tanto pelos agentes públicos como pelos particulares contratados, pois, caso em uma contratação analisada pelo próprio TCU ou por algum órgão que controle que adote o mesmo entendimento do TCU (e, na prática, a maioria assim o faz), seja concedida a revisão de preços tendo por fundamento único a variação cambial, tal conduta pode ensejar não só na responsabilização dos agentes públicos envolvidos como também na responsabilização do contratado-beneficiário.

 

Por Aldem Johnston. E-mail: infraestrutura@mellopimentel.com.br