Em seu artigo 3º, prevê a Lei Federal nº. 14.010/2020, que se consideram impedidos ou suspensos, conforme o caso e a partir da entrada em vigor da lei, os prazos prescricionais e decadenciais, assim permanecendo até o dia 30 de outubro de 2020 (algo que claramente caracteriza a lei como uma norma de vigência temporária, conforme disciplina o artigo 2º da LINDB).
O parágrafo primeiro do dispositivo ressalva, contudo, que essa suspensão de prazos prescricionais e decadenciais não se aplica caso já estejam em curso as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas pelo ordenamento jurídico, ou seja, há prevalência das hipóteses que vigoravam quando a lei entrou em vigor.
O acerto da norma é evidente, vez que a regular fluência de prazos decadenciais e prescricionais em meio à pandemia poderia trazer prejuízos ao direito de uma parcela considerável da população, por motivos alheios à sua vontade.
Ora, com a excepcionalidade socioeconômica ocasionada pela pandemia do coronavírus (Covid-19), entende-se que não seria justo punir o titular de um direito por uma alegada inércia quando são inúmeros os obstáculos vivenciados por toda a sociedade para exercê-lo em sua plenitude neste período, sobretudo quando em situações mais extremas houve até a restrição da mobilidade (lockdown) em algumas cidades, além de severas restrições (em alguns casos acarretando a suspensão) no exercício de diversas atividades econômicas.
Todos os setores econômicos foram e estão sendo impactados, em menor ou maior proporção, e mesmo as atividades tidas como essenciais, como a atividade judicante e a advocacia, têm sido desenvolvidas com importantes restrições e de forma predominantemente virtual.
O Brasil tem proporções continentais e isso se reflete em realidades absolutamente díspares: se a disponibilidade de um computador com acesso à internet é algo banal nas capitais, não necessariamente o é nos seus tantos rincões, sobretudo no atual contexto, prejudicando também o exercício de atividades meio que por vezes se fazem imprescindíveis para demonstração, em juízo, de um direito.
Destaque-se, ainda, que é preciso interpretar o artigo 3º da Lei nº 14.010/2020 em conjunto com o artigo 6º da Lei nº 13.979/2020 que suspendeu, enquanto perdurar o estado de calamidade determinado pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, os prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos, bem como o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei nº 8.112/1990, na Lei nº 9.873/1999, na Lei nº 12.846/2013, e nas demais normas relacionadas a empregados públicos.
Intrinsecamente relacionado às disposições sobre prescrição e decadência está o artigo 10 da Lei nº 14.010/2020, o qual dispõe que os prazos para aquisição de propriedade imobiliária ou mobiliária nas diversas espécies de usucapião estão suspensos no período compreendido entre a entrada em vigor da lei e o dia 30 de outubro de 2020.
Pode se dizer que a lei abraçou o conceito bifurcado de prescrição, no qual há uma prescrição extintiva, que enseja à perda de um direito de ação, e uma prescrição aquisitiva, que constitui um requisito para aquisição de um direito real por usucapião pelo decurso de um prazo.
Desta feita, andou bem o legislador, vez que seria tecnicamente insustentável promover a suspensão dos prazos prescricionais (extintivos) durante a pandemia e deixar o prazo para aquisição de propriedade por usucapião (prescrição aquisitiva) seguir seu curso regular.
Por Aldem Johnston. E-mail: admecon@mellopimentel.com.br e Victor Costa. E-mail: contencioso.civel@mellopimentel.com.br